O trade-off do ICMS

20/10/2023

O trade-off do ICMS

O ano de 2023 criou um cenário extremamente negativo para os entes federados, principalmente estados e municípios. Para que possamos entender como chegamos ao atual estágio orçamentário, é preciso compreender um dos vetores mais relevantes e para isso é necessário contextualizar talvez, a gênese da crise ora vivida.  

No ano de 2022, os preços dos combustíveis estavam, desde o governo Temer, atrelados a PPI, que é o acrônimo para preços de paridade internacional, que na sua composição se baseiam nos custos de importação que agregam valores referentes aos transportes e taxas aeroportuárias como referência para o cálculo dos combustíveis, mas fundamentalmente, refletem os preços praticados no mercado internacional obviamente vinculados a variação cambial e ao preço do barril de petróleo. 

Com o aumento consistente dos preços dos combustíveis em 2022, o governo federal de então, apresentou uma proposta chamada de preço justo, que propunha limitar a alíquota do ICMS, e com isso reduzir o valor dos combustíveis. A proposta enfrentou grande resistência dos Estados, mas foi aprovada no congresso. Vale ressaltar que a proposta aprovada alterava uma das principais fontes de financiamento dos estados que é o ICMS. Os municípios, por sua vez, também seriam impactados já que constitucionalmente detém a cota parte de 25% do ICMS destinado ao seu financiamento. 

A proposta de limitação do ICMS gerou uma enxurrada de ações no Supremo Tribunal Federal e o resultado temporário de redução dos preços dos combustíveis foi abafada pelo aumento dos preços internacionais do petróleo, com o barril tipo brent chegando à média de US$ 101, em 2022. Em 2023, mesmo com alta registrada em setembro que levou o preço do barril a US$ 97, a preço de hoje (18 de outubro), o tipo brent, usando como referência está cotado a US$ 90,82.
Diante da limitação dos valores cobrados pelos Estados no ICMS, o governo federal prometeu compensações aos Estados, que independente do cumprimento ou não da promessa, partiram para garantir seu direito entrando com ações junto ao STF, para que fosse cumprida a legislação que determinava que somente esse ente federado era responsável pelo estabelecimento das alíquotas e efetivamente pelo recolhimento do imposto. 

Para compensar a queda na arrecadação com consequente desequilíbrio nas contas públicas, os Estados passaram a aumentar a alíquota do ICMS. No Rio Grande do Norte, através de decreto, a alíquota de 20% entrou em vigor no dia 1º de abril de 2023, mantendo em 7% a taxa para produtos como a cesta básica. A justificativa apresentada pelo governo do estado foi uma queda na arrecadação da ordem de R$ 440 milhões e sendo assim, para os municípios, neste caso, foi de R$ 110 milhões. 

Agora, diante do não crescimento dos repasses do FPM aos municípios, considerando 2022 para 2023, os municípios se veem diante de virtual colapso financeiro dado a diversos fatores, dentre eles o aumento de diversos insumos que compõem preços públicos e até mesmo a avalanche de programas criados desde a promulgação de nossa Carta magna, que ultrapassa 200 programas federais efetivados pelos municípios, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A grande maioria desses programas são subfinanciados pela União, fazendo com que os municípios arquem com complementação que não estava prevista, por exemplo, quando da instituição do Fundo de Participação dos Municípios. São vários exemplos do dia a dia que se fazem ver, como a saúde primária e a educação básica, com os municípios indo além de suas obrigações constitucionais. Alguns inclusive, para atender sua população, atuam com média complexidade na saúde, afetando recursos que seriam destinados a outras áreas. 

Diante desse cenário, os municípios já começam a atrasar pagamentos para seus fornecedores e já existe previsão negativa para os compromissos salariais dos servidores. O quadro é realmente de muita gravidade. Segundo o Governo do Estado caso a alíquota atual de 20% volte para 18% no ano que vem a receita estadual será menor na ordem de R$ 700 milhões e consequentemente, para os municípios a queda será de R$ 175 milhões a menos nos cofres dos municípios do estado. 

A Femurn entende que quando se tributa, a intenção é recolher recursos do mercado privado para gerar contrapartida no setor público. No entanto, existe a compreensão de que estamos em um momento em que a carga tributária total sobre a população é alta, chegando segundo alguns estudos a 33% do PIB. Outras metodologias de cálculo vão muito além desse patamar. Entendemos também que a elasticidade-preço da demanda do setor terciário com aumento de alíquota do ICMS, pode gerar a médio e longo prazo, transtornos para a economia. Mesmo assim, entendemos que nas atuais circunstâncias, quem irá sofrer as piores consequências do colapso financeiro dos municípios no curto prazo serão justamente as pessoas mais vulneráveis economicamente. Aquelas que dependem do atendimento médico, dos exames, dos remédios, do recolhimento do lixo, da assistência social, da estrutura das escolas, da manutenção de estradas, do corte de terra e até do pagamento dos servidores, dentre vários outros fatores. 

O trade-off que se apresenta só pode ser realmente resolvido por nossos representantes federais defendendo a autonomia dos municípios. Diante de tais conflitos de escolha, é relevante mencionar que autonomia se conquista com recursos, com orçamento para financiar as atividades constitucionalmente atribuídas.

No atual estágio e derivado de todos os fatos relatados, a Femurn se coloca favorável a manutenção, temporária, das alíquotas propostas pelo Governo Estadual. Ressaltamos que resolvida situação de financiamento dos municípios, seremos totalmente favoráveis a redução automática da atual alíquota.

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